sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Introdução


O homem medíocre é uma sombra projetada pela sociedade; é, por essência, imitativo, e está perfeitamente adaptado para viver em rebanho, refletindo rotinas, preconceitos e dogmatismos reconhecidamente úteis para a domesticidade." (...) "O medíocre nada inventa, nada cria, não impulsiona, não rompe, não engendra; mas, em compensação, sabe custodiar zelosamente a armação dos automatismos, dos preconceitos e dogmas acumulados durante séculos, defendendo esse capital comum contra o assalto dos inadaptáveis."(INGENIEROS, 1960, P.54 e 59)

A elaboração deste trabalho monográfico decorre da aceitação de um desafio. A catequese que diversos credos religiosos desenvolvem junto a crianças e adolescentes, com o beneplácito das famílias, é um dos vetores dessa preocupação, haja vista a insuficiência de juízo crítico, naqueles estágios da vida, para examinar a consistência de tais ensinamentos. É bem verdade que ao início do Curso de Pedagogia, na UFF, não me seria possível prognosticar com segurança o objeto a ser desenvolvido como trabalho de conclusão de curso, a monografia, mas asseguro que sempre me esteve presente a necessidade de os setores e pessoas envolvidos com as questões educativas investigarem mais atentamente como repercutem nos indivíduos os ensinamentos que foram assimilados na infância e na adolescência, mas, por força de sua expressão persuasiva, não foram submetidos a uma reavaliação na vida adulta. Por isso, repito, tornou-se para mim um desafio, desafio que resulta de uma permanente inquietação e da certeza de que faço parte de uma geração que não alcançará os frutos do almejado e elevado grau de conscientização do ser humano, muitíssimo superior ao atual, não obstante acredite que ele algum dia será atingido.

Justamente por pensar assim, por considerar a matéria das mais incitantes, entendi também que minha inquietação adquiriu forma e se sistematizou ao longo do Curso, indicando-me exercê-la em algo provocativo e oportuno, qual seja o trabalho monográfico. É bem verdade que conheço as limitações da repercussão de uma monografia, mas também admito que pior seria a omissão. Encorajam-me nesta empreitada pessoas que exibem substantivo grau de criticidade, principalmente minha professora-orientadora - Gelta Terezinha Ramos Xavier -, e compreendem como válida minha preocupação. O ponto de partida para essa aflição, no terreno da educação, se encontra no grande paradoxo do ensino/aprendizagem que pretende constituir sujeitos, sem que os executores dessa proposta, em sua maioria, tenham sido subjetivamente constituídos. Neste particular, refiro-me à formação religiosa da maioria esmagadora de nossos profissionais da educação, porquanto assumem seus credos sem consultar sua consistência epistemológica, isto é, sem examiná-los com o rigor exigido para que o conhecimento seja aprovado. Recebem-nos da cultura, da tradição, da família, da ascendência clerical e validam, no caso cristão, a Bíblia como documento sagrado, indiscutível. Ignoram que a assunção de conhecimento sem a aprovação de seus atributos intelectuais gera aceitação incondicional dos preceitos ditados pelos credos, num imperceptível processo de alienação e atrofia intelectual. Será possível, em capítulo específico deste trabalho, contemplar a posição de estudiosos da subjetividade humana acerca dessas afirmações.

Na área da educação formal, já não há mais dúvida quanto à necessidade de uma participação ativa do educando na construção do conhecimento, o que revoga os métodos tradicionais, nos quais o aluno recebe passiva e objetivamente os conhecimentos que lhe são transmitidos pelo professor. Conforme aludi no parágrafo anterior, é necessário que o profissional de educação esteja consciente dessa orientação e, para tanto, procure avaliar se as condições de seu exercício pedagógico se encontram em sintonia com essa proposição. Parece-me que a deficiência no ajuste entre teoria e prática educativas estaria, dentre outras causas, no conflito vivenciado pelo educador, relativamente ao contraste entre sua formação e a proposta de educação que lhe está sendo confiada. Não basta que a ele estejam sendo confiadas a transformação e a emancipação, é necessário que ele esteja emancipado.

Entendo que a problematização acima seja uma preocupação daqueles que formulam os caminhos da educação e buscam maior sintonia de seus profissionais com as teorias pedagógicas de vanguarda. Vale, então, registrar a consistência dessa preocupação na proposta curricular do Curso de Pedagogia da UFF, constante do Catálogo Geral da UFF – Graduação – Pedagogia, disponível na Internet:

Formar profissionais da Educação dotados de visão crítica da realidade que os cerca (...). O licenciado em Pedagogia, é, antes de tudo, um profissional da Educação. É importante assinalar, portanto, que todas estas funções devem ser exercidas de maneira integrada com a realidade concreta da sociedade, para construção do ser humano individual/coletivo numa perspectiva de educação transformadora.” 

Conforme exposto, procurarei abordar, inicialmente, qual a diferença entre a proposta de nosso Curso e “a realidade concreta da sociedade”, que abriga também os profissionais de educação. Aqui, fica evidente que o educador nasce, cresce e vive no mesmo ambiente sociocultural das crianças com as quais compartilha momentos de ensino/aprendizagem. Em seguida, procurarei estabelecer um ajuste entre a análise crítica que alguns estudiosos realizaram sobre a constituição dos grupos sociais e os valores morais que lhes são impostos pela realidade cultural. Nesse particular, será enfatizada a influência que o proselitismo religioso exerce sobre os grupos sociais e a sociedade como um todo. Como uma experiência pessoal, baseada numa crítica espontaneamente desenvolvida ao longo dos anos, permitiu-me conduzir a análise dos ensinamentos cristãos recebidos na infância e na adolescência, os quais, por muito tempo, adquiriram estatuto de verdade, como conseqüência do peso coercitivo exercido pela tradição e pela ascendência daqueles que estão a seu serviço. Penso que essa experiência crítica deveria fazer parte do processo educativo, isto é, todos os indivíduos deveriam examinar sua realidade subjetivamente, distanciando-se propositadamente do objeto, qual seja a realidade adquirida do ambiente cultural. Trata-se de validar ou rever, mas como sujeitos do conhecimento que entendam a concepção de mundo e demais conceitos inerentes à vida como suscetíveis de uma análise individual. Esta apreciação estaria, certamente, afinada com o grau de criticidade aludido na proposta de formação do profissional da educação da UFF, conforme citação acima.

Relativamente ao campo de observação que serviu de suporte para as respectivas hipóteses, é necessário afirmar que significativa parcela da investigação foi obtida por meio de consulta/questionário realizada junto a alunos do Curso de Pedagogia da UFF. Devo acrescentar que certos embates sobre o tema religioso, em sala de aula, igualmente permitiram detectar tendências, preferências e necessidades religiosas do alunado, fazendo-nos concluir que a maioria esmagadora mantém os ensinamentos recebidos no período infância/adolescência, sem, contudo, havê-los analisado de modo mais aprofundado. Mais ainda, em alguns contatos informais com educandos de Pedagogia que vivenciam, em diversas igrejas, a prática da catequese ou evangelização, é possível observar invariavelmente barreiras quase intransponíveis ao exame do que lhes é contraditório, porquanto os catequistas possuem um compromisso muito forte com o próprio discurso, isto é, mesmo que indícios de contradição ou inconsistência sejam detectados no proselitismo, torna-se difícil analisar criticamente o que por eles mesmos foi transmitido como verdade absoluta. Tem-se, então, o enredo em que oradores se deixam escravizar pela própria oratória e, conquanto possa parecer desprezível essa observação, ele pode ser identificado em diversos matizes ideológicos, mas tem força incomum nos indivíduos que ministram ensino religioso. Essa observação está contida numa citação de David Hume (HUME: 1999 p.116-117), no momento em que o pensador escocês analisa a tendência do ser humano para a interpretação mágica da vida. Nessa abordagem, Hume descreve como os indivíduos abdicam da dúvida, da crítica ou de qualquer questionamento e se submetem à eloqüência e, por conseqüência, à sedução do discurso religioso. Está implícito nesta apreciação o desprezo pelo pensamento alternativo, ou seja, desde que se encontrem cooptados por determinado credo, os indivíduos não ousam utilizar o conjunto de informações oposto à doutrina religiosa, que se configura como contraditório. A estratégia de convencimento dos credos religiosos cria barreiras intransponíveis ao coletivo de fiéis, formado por homens-rebanho.

Por uma questão metodológica, entendo necessário iniciar este trabalho por aquilo que denominei experiência pessoal, procurando demonstrar a trajetória percorrida entre a doutrinação religiosa, na infância/adolescência, e o rigoroso exame de caráter subjetivo a que espontaneamente me submeti, mais tarde, para tratar de matéria da maior importância para minha vida. Creio haver passado por uma experiência amarga, porque assentei os pilares da minha existência sob padrões preexistentes à minha chegada ao mundo, aos quais, durante muitos anos, eu atribuí valor de verdade. Justamente por isso, por ter contado durante a vida com condições e oportunidades favoráveis à travessia da fronteira, sinto-me à vontade para explicitar os caminhos percorridos e sugerir que outras pessoas investiguem, cada qual a seu modo, se as suas concepções de mundo, quaisquer que sejam, resultam de uma apreciação crítica ou são originárias de seu ambiente cultural. Posteriormente, procurarei apresentar abordagens de teóricos de significativa presença nessa área do pensamento, confrontando-as com as práticas religiosas adotadas em nossa sociedade. Obviamente, nesse confronto, observarei como os diagnósticos daqueles teóricos têm estreita ressonância com os procedimentos apontados nos questionários que foram objeto da investigação.

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